Olá! Seja benvinda (o) ao Rio Tua!

Este blog foi criado para partilhar saberes, opiniões, imagens, filmes sobre o rio, as populações e a linha de comboio. Numa época em que parece inevitável o desaparecimento de uma parte importante do vale do Tua, devido à projectada construção de uma barragem hidroeléctrica, pretendo com este blog promover a discussão sobre o destino do rio. Convido a participar quem acredite que a discussão e a partilha de ideias podem contribuir para uma democracia feita por todos! Reservando-me o direito de seleccionar os conteúdos a editar no blog, quero salientar que os critérios de publicação não se relacionam com as opiniões expressas (desde que identificados os autores), mas com a sua relevância para a discussão e com o respeito pelos leitores.
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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Mensagem do Nuno Maia


Queria andar na linha

Na última caminhada que fizemos, resolvi partilhar o local o momento e mesmo a ocasião com quem quisesse conhecer a Linha do Tua. Depois de decidir que esta caminhada deveria ser grátis, quer pela distância a percorrer pela maioria dos participantes, quer pela minha obrigação cívica para com a natureza, avançamos para um domingo que se queria solarengo mas, que nos pregou uma simpática partida.

Já no domingo e depois de reunidos em casa da Luísa decidiu-se, que mesmo com a chuva, íamos até á estação do Tua, mas de comboio.
Chegados á Brunheda, abrigámo-nos da chuva, na velha estação. O dia estava ensombrado por umas nuvens que nem por isso tornavam o dia desagradável e sob o olhar curioso de alguns locais que também esperavam o “comboio”, fomos tentando explorar o local mas, sempre a fugir de umas quantas gotas que teimavam em boicotar qualquer tentativa de calcorrear a linha, a pé!

A estação bastante humanizada, com um Lagar de Vinho que ainda funciona, e umas quantas casas antigas bem recuperadas, transmitiu-me uma sensação de serenidade, quebrada pela a animação do grupo. O sítio, parece fazer parte de uma natureza austera em que vontade de descobrir o espaço se encontra com uma sensação de pequenez face á paisagem que me deixava sedento de aventura, mas ao mesmo tempo prudente tendo em conta a chuva e a temperatura que se tinha apoderado de mim, por causa de outras molhas. Depois da estranheza do local e do gelo quebrado entre quem não se conhecia, aparece o comboio, ou melhor o Metro de superfície.

O barulho do motor a gasóleo antecedeu o vislumbramento da máquina verde que vagarosamente faz a ligação da estação do Tua á bonita cidade de Mirandela. A máquina parou. Ruidosa e civilizadamente altiva, apoderou-se do lugar, trazia vida. Estranha a sensação de normalidade naquele “fim de mundo”, vivia-se a azáfama de apanhar o comboio, igual a qualquer outro momento igual, numa qualquer outra estação, supostamente mais “civilizada” do que esta.
A carruagem ganhou mais vida, estávamos animados e em tom de brincadeira, já havia quem tivesse duvidas se não seria mais seguro fazermos a caminhada mesmo com chuva e com o risco de nos encontrarmos com o metro num lugar apertado, ou o risco deste cair ao rio! No entanto, o Zé já tinha previsto que nos tais locais apertados deitávamo-nos na linha por baixo do “comboio”! Era seguro, dizia o “pica”* a entrar também na brincadeira, deixando escapar alguns lamentos pelo trágico acidente que ocorreu recentemente nesta linha.

Depois da partida e com a vista contrariada pela condensação nos vidros começamos a encavalitarmo-nos no lado direito da carruagem, para ir apreciando a paisagem que se tornava cada vez mais selvagem. Passado pouco tempo, já todos tínhamos a sensação que nos conhecemos há imenso tempo, tratamo-nos por tu, e entre outras conversas, o Tua ia-se apoderando do grupo, tomando corpo em algumas observações unânimes de quem, entre outras coisas aprecia lugares bonitos. - É uma pena perder-se o local.
Ser-me-á difícil descrever o que senti por parte de quem lá estava, mas o que ouvi, passava pelas sensações de pequenez face á magnitude do vale, às historias da ousada construção da linha em 1880, e até as inúmeras possibilidades de utilidade – rentabilidade do espaço enquanto legado histórico/patrimonial.

Chegados á estação do Tua, tempo para tomar o café da praxe tentar comprar um vinho ou até umas bolachas de água e sal. (Sandra, no Douro não se come bolachas de agua e sal!) Mas embora o tasco até Mafu se vende, faltava-nos o tempo. O metro já tinha outros apreciadores de paisagens, e estava prestes a partir para mais um passeio pelo vale do Tua. Correu bem, ninguém ficou por terra, e a viagem recomeçava mas no sentido contrário.
Com a companhia de mais um grupo que tal como nós gosta da “linha do tua”, o comboio ia atafulhado de gente animada, dizia alguém do outro grupo que faltava o acordeão, o garrafão de vinho e o salpicão. Estamos noutra época, estamos na era do metro de superfície, que cumpre a função, com menos glamour que as originais máquinas a vapor, mas pela mesma linha, e com a mesma paisagem de sempre Há quem diga que, aqui se encontram as melhores representações do Portugal Pré-histórico.

Ávido de aventura, o grupo queria andar. A viagem para baixo tinha aberto o apetite e esta viagem de volta, só aumentava a curiosidade de se ver a linha com mais sentidos. Queriam sentir o caminho nos pés, sentir a brisa a cortar as pontas desprotegidas do nosso eu, os sons e os cheiros do vale. Reorganizamo-nos naturalmente e nem a chuva nem o “pica” nos demoveu de sairmos em São Lourenço. Pára o metro e já de saída, ainda tempo para as habituais despedidas dos outros companheiro de circunstância.

A chuva, e a brisa que nos acompanhava fazia-nos encolher os ombros na ânsia de aconchego e o som do rio lá em baixo, embalava o ritmo do passo que era quebrado pelo cadência das traves de madeira, que teimavam em boicotar o ritmo da passada, saltitante.
Lá para trás ficam o Paulo e a Guida, o homem da máquina fotográfica estava manco, tinha-lhe caído um ferro no pé uns dias antes, mas como ele dizia não havia motivo para deixar de ir, e lá estava ele. -Já queria fazer isto há muito tempo, dizia ele. – Não custa nada, e isto é espectacular.

Já mais para a frente, e na companhia de uma jovem colega de formação, a Becas, encontramos aquilo que me pareceu ser dejectos de Lince Ibérico. Não posso garantir que fosse, mas o entusiasmo da descoberta partilhado entre mim e a Becas, valeu a suposta descoberta do momento. Com a Brunheda já á vista, a chuva rendeu-se, e o grupo foi-se reunindo aos poucos. Falava-se em continuar, mas depois de alguém comentar que haveria Leitão á espera em casa da Luísa, reconsiderámos e Leitão é Leitão!

Seguimos até Milhais, e estamos de facto em Trás - os – Montes. O calor humano aquece o dia que se mantinha fiel a Fevereiro. Conversámos, comemos, voltámos a comer, rimos, enfim foi um final feliz para um dia que parecia estragado pela chuva e pela brisa que nos percorria o corpo, mas não travou a aventura de quem corre por gosto por terras deste nosso Portugal.


Em jeito de conclusão e a propósito da Linha do Tua – Rio Tua – Barragem no Tua, parece-me importante fazer um remate opinativo sobre a possível construção de uma Barragem neste local.
Como tal e depois de viver um domingo de caminhada e outras aventuras, ouvi também algumas opiniões simpáticas e até , surpreendestes.

Ainda de manhã antes da caminhada, numa paragem para café nas bombas da Aldeia da minha Avó, o Candedo, estava com vontade de pôr a conversa em dia com a Cláudia e com a Sandra, mas um Ancião, meu amigo de miúdo lá na aldeia, curioso pela nossa chegada, perguntou-me o que andava por ali a fazer. Depois de saber que íamos andar para a linha, deu-me o parecer, dele, uma visão de um homem do campo com a formação possível para a sua época, e com a experiência de mais de oitenta anos. Tinha que o ouvir, e ele disse. – Sabes rapaz, o Marquês de Pombal marcou a região do Douro em função do nevoeiro. A barragem, vai trazer mais água para a região, e por conseguinte vamos retomar as condições climatéricas que outrora faziam com que o vinho fosse ainda melhor.
Fiquei atónico com o que tinha ouvido, caiu-me a minha certeza inabalável assente em razões que nem eu sei se são válidas.

O rio Tua existe há milhares de anos, este troço do rio, encontra-se num estado de conservação impar á escala nacional e mesmo internacional. Penso que toda a área envolvente terá alguma possibilidade turística sem que para isso seja necessário fazer grandes investimentos. No entanto é pena que até agora tão pouco se tenha feito em prol do turismo sustentável nesta região. Confesso que não sei o que será melhor para todos, mas vejo cheias na Régua e na Foz, devido a Sobrecarga do Douro.



Vi a paisagem, conheço o lugar, vi a quantidade de gente que se opõem á construção, da Barragem e depois de reflectir na experiência vivida no Tua, depois de passar os olhos por variadíssimas opiniões, e acima de tudo, com um olhar atento de quem já viu alguns locais com muito menos interesse do que este a ser conservados, digo: - Eu gostava que a pelo menos a linha se mantivesse, gostava de continuar a ver as “fragas” a rasgarem a corrida da água, mas antes de mais gostava que tanto pelo local como pelas gentes destas terras, fosse feito o melhor. Parece-me urgente fazer alguma coisa por estas regiões que a geografia se encarregou de afastar da capital, mas onde a natureza se encarregou de oferecer um bom motivo de visita. A terra.

Como tal haja sobriedade, para tratar deste assunto.
Esta na hora desta região ser acarinhada pela representatividade, que têm feito no mundo, com os seus produtos naturais e com o seu legado natural. A colheita e a produção do azeite ou do vinho do Porto nunca foi anulada, como o famigerado Lisboa Dakar, e garantidamente este País, do qual esta região faz parte, têm sido muito mais bem representado no mundo pelos produtos desta região, do que por outro, evento ou produto nacional.


Missão cumprida.

Boa caminhada!
Att.: Nuno Maia.

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