O lugar de Cachão situa-se junto ao rio Tua, a três quilómetros da sede de freguesia (Frechas), situada no percurso entre Cachão e Mirandela. A toponímia do lugar é habitualmente associada ao rio, já que este fazia, nesse local, um cachão – Cachão deriva do termo latim coctione, cujo significado é borbulhão, ou queda de água aos cachões, ou borbotões (Lello & Lello, 1974). Foi-nos dito por antigos trabalhadores do Complexo Agro-Industrial que antes deste ser construído, existiam duas azenhas (das quais ainda restam vestígios) e armazéns de produtos agrícolas junto da linha de comboio, bem como habitações para três famílias. Estes trabalhadores associavam as raízes do lugar ao seu destino industrial, pois as condições naturais e a intervenção do homem assim o tinham tornado propício.
A linha-férrea, que serpenteia ao longo do rio Tua e tem ligação com a linha do Douro, terá sido um factor importante na escolha deste local para a construção do complexo, assegurando o transporte das matérias-primas e principalmente dos produtos transformados. O rio assegurava a água necessária, e o vale relativamente plano da sua margem esquerda, sendo pertença do Estado, permitia a construção de um grande conjunto de instalações (Pinheiro, 2001). Deste modo, em 1964 foi fundado o Complexo-Agro-Industrial do Cachão, construindo-se de seguida um bairro operário com 137 casas na elevação adjacente às fábricas. Foi assim que uma pequena comunidade foi fundada neste lugar; actualmente existem já outras habitações para além das pequenas casas do bairro, uni-familiares e construídas em cantaria; porém, a maior parte dos actuais cerca de quinhentos habitantes do lugar de Cachão moram ainda no bairro (Informação recolhida na Junta de Freguesia de Frechas).
A criação e a dinamização do CAICA são atribuídas a um natural da região transmontana, o engenheiro Camilo de Mendonça, com o apoio do governo de António Salazar. Este projecto estava relacionado com outro, mais vasto, que consistia na criação da Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste Transmontano, com os objectivos de incentivar e desenvolver a produção, ao nível da transformação local dos produtos agro-pecuários da região. Tratava-se de um projecto que envolvia toda a região transmontana, procurando dinamizar-se cada zona nas suas especificidades de produção agro-pecuária, reduzir o tempo e o custo dos transportes e chegar sempre que possível ao fim do ciclo de transformação, incorporando o máximo de mão-de-obra local (Pinheiro, 2001).
Deste modo, foi elaborado um plano que incluía o estudo das potencialidades produtivas da região transmontana, ela própria com zonas de micro-clima (por exemplo a terra fria transmontana, na zona Norte, e o vale temperado da Vilariça, a sul). A intervenção compreendia os principais produtores, federados em Grémios da Lavoura. Projectou-se também a construção de uma rede de albufeiras, algumas das quais foram realmente construídas e ainda existem (por exemplo, a pequena barragem do Cachão), e promoveu-se a mecanização da agricultura e da pecuária, alugando máquinas aos proprietários (id).
O complexo fabril do Cachão iniciou a sua actividade em 1964, empregando em pouco tempo centenas de trabalhadores, entre os que estavam nos quadros e os que trabalhavam à tarefa (cerca de 850, ainda na década de sessenta). Com a construção do bairro, pertença da federação, os trabalhadores instalaram-se, vindos de diversos locais da região transmontana e de outras zonas do país. Os ex-trabalhadores relataram-nos que nessa época o Cachão parecia uma “grande obra”, e parecia ter um “bom futuro”. Alguns deles terão saído da função pública para se empregarem no complexo, pois os salários eram mais elevados e afigurava-se um trabalho promissor.
O complexo destinou-se essencialmente à valorização e expansão das produções agro-pecuárias regionais através da sua transformação industrial e consequente comercialização, não só para o mercado interno, mas principalmente para o mercado externo. As unidades industriais que o compunham diziam respeito aos sectores da fruticultura, horticultura, destilação, vinhos, azeites e pecuária.
A partir de 1974 deram-se as primeiras grandes convulsões na empresa, relacionadas com a revolução de Abril. O património dos Grémios da Lavoura foi integrado, em 1976, nas Cooperativas e o Estado passou a tomar conta do Complexo do Cachão. Neste contexto foram incluídos nos quadros da empresa os trabalhadores que até então aí prestavam serviços, consoante as necessidades sazonais de mão-de-obra (id). Deste modo a empresa passou abruptamente de cerca de 300 para 1200 assalariados, o que implicou, nos anos subsequentes (entre outras razões referidas pelos trabalhadores com quem falámos), o início das dificuldades financeiras do CAICA.
No início de 1981 a empresa foi constituída em sociedade anónima, pertença do Estado, mudando novamente de gestão. Os objectivos do CAICA-S.A. eram a viabilização da empresa, tendo em conta as suas potencialidades, e o desenvolvimento sócio-económico de Trás-os-Montes e Alto Douro. No entanto, a situação foi-se agravando ao longo da década de oitenta, acumulando-se as dívidas na banca, e crescendo as dificuldades de fazer concorrência ao mercado aberto que se sucedeu à entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia. A situação geográfica do Complexo, longe dos principais centros de consumo, e as tortuosas vias de comunicação da região encareciam os produtos e dificultavam as funções comercial e de distribuição da empresa. Os salários dos trabalhadores chegaram, por vezes, a ser pagos com meses de atraso. Por outro lado, existe um consenso no que respeita à boa qualidade atribuída aos produtos, mas estes eram produzidos em pequenos quantidades, o que dificultava a sua distribuição no mercado fora do país.
Em 1986, numa última tentativa de viabilizar a empresa, constituiu-se, sob o governo de Cavaco Silva, uma Comissão de Avaliação formada por um representante dos lavradores, um representante do Ministério da Agricultura e um do Ministério das Finanças. Esta comissão decretou que 48% do capital da empresa serviria para formar a União de Cooperativas, pertencendo as restantes acções ao Estado (Pinheiro, 2001).
No fim do terceiro trimestre de 1992 o CAICA cessou a sua actividade, na sequência da falência decretada pelo tribunal. Os trabalhadores foram dispensados e receberam indemnizações consoante o seu posto de trabalho e os anos de serviço prestados à empresa (Informação recolhida junto de uma ex-trabalhadora, que participou no processo de encerramento da empresa).
A maior parte do património que restou do antigo Complexo (quase 98%) foi posteriormente entregue às Câmaras Municipais de Mirandela e de Vila Flor (sede de um dos concelhos adjacentes ao de Mirandela, que dista treze quilómetros do Cachão). Actualmente este património é administrado por uma sociedade representante de todos os acionistas, a A.I.N. (Agro-Industrial do Nordeste, S.A.).
As instalações do Complexo foram arrendadas por pequenos empresários que procederam à modernização dos equipamentos, de acordo com os contratos feitos com as próprias Câmaras. Desta forma, encontravam-se instaladas no Complexo, em 2001, vinte e uma empresas compreendendo no total cerca de duzentos postos de trabalho. Estas empresas não pertencem apenas ao sector agrícola, mas também ao sector industrial e comercial (Pinheiro, 2001).
Esta “história” do Complexo data de 2003: agradeço o envio de informações sobre os últimos 5 anos!
Adaptado de:
Barbeiro, A. (2003). Eles, nós e eu, aventuras juvenis: estudo qualitativo sobre a transgressão na adolescência. Dissertação de Mestrado em Psicologia, com Especialização em Psicologia da Justiça. Braga: Instituto de Educação e Psicologia – Universidade do Minho (pp.128-132).
Estas informações foram recolhidas a partir de entrevistas a antigos trabalhadores e dirigentes do Complexo e de:
Pinheiro, R. (2001). Desenvolvimento dos recursos humanos locais no Complexo do Cachão – a vertente da formação. Dissertação de Mestrado apresentada no Instituto de Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.
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